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Especial Halloween: sou bruxa, e daí?

Especial Halloween: sou bruxa, e daí?figura dos contos de fada. Tem uma vassoura sim, mas não voa por aí. A professora e sacerdotisa Marcia Sanção, conhecida como 'bruxa Windi', é praticante há 18 anos da tradição Wicca - uma religião neopagã ou, como alguns preferem, apenas uma filosofia de vida.


A sacerdotisa conta que a bruxaria é cercada de mitos e que o preconceito é constante. Assim, os adeptos ainda preferem manter sigilo. Desde 2001, ela mantém a escola “Templo de Bruxas”, atualmente localizada no Bairro da Penha, em São Paulo. Lá, um grupo de mais de cem pessoas se reúne para estudar Wicca e manter a tradição.

Marcia explica que vai ter que passar muitos anos para quebrar este tabu. "A reação não é muito boa mesmo. Enfrentamos muitos problemas com isso. Às vezes, a gente muda de lugar para que o pessoal das redondezas possa se acostumar e entender o que é ser bruxa. Fazemos encantamentos, poções, mas é sempre visando o bem e a cura”, diz Windi, com voz serena.

Ela relata que ao longo dos anos foram criados estereótipos, inclusive nas histórias infantis, para mostrar que bruxa é aquela má e feia que come criancinha. Conta que o catolicismo contribuiu e diz que "na inquisição foram queimadas pessoas inocentes”.

Na época do Renascimento, foi criado até mesmo um manual de caça às bruxas, o chamado "Martelo das bruxas", do latim ‘Malleus Malificarum’. O livro contém ensinamentos sobre como reconhecer uma bruxa e suas principais características. Por 200 anos, este manual que teve dezenas de edições serviu como base para condenar milhares de pessoas no continente europeu.
(Foto: reprodução / Casadebruxa.com.br)
Já Tânia Gori, teóloga, professora e adepta da bruxaria natural, começou nesta filosofia pela avó, quando tinha apenas 7 anos. É idealizadora da Universidade Livre Holística Casa de Bruxa (UniCB), que existe há 14 anos, em Santo André, no ABC paulista. Ela diz que existe um preconceito infundado e procura desmistificar esta imagem. "Normalmente quando as pessoas me encontram dizem: 'Como você é diferente do que eu imaginava!'", conta.

De acordo com Tânia, a bruxa é uma amante da natureza que procura viver em harmonia com os quatro elementos (terra, água, fogo e ar). Ela explica que é um dom natural que todos têm, algumas pessoas desenvolvem com maior facilidade e outras, nem tanto. O conceito bruxa vem do latim ‘broucher’, que significa desabrochar, ou seja, algo que já é natural, mas que precisa vir à tona.

Segundo a teóloga, as pessoas associam bruxaria a algo maléfico porque na realidade esta história surgiu na era medieval, com o cristianismo. "Era necessário ter uma força contrária a Deus, ‘o Demônio’ para que as pessoas acatassem o que a Igreja determinava como ‘mensagem divina’, e aceitassem tudo o que lhes era imposto. A melhor forma era associar o diabo às mulheres, como tentação e responsáveis pelos pecados da carne. O tribunal da inquisição determinava quem deveria ir para a fogueira, independentemente das provas falsas apresentadas”, explica.

Ela conta que quase todas as mulheres que dominavam algum conhecimento eram chamadas de bruxas, e isto não era um adjetivo negativo e sim um substantivo. “A maldade não deve ser associada à bruxaria e sim à intenção de quem pratica a magia. Por exemplo, uma faca serve tanto para cortar os alimentos como para matar alguém. Ela não tem poder nenhum de maldade ou bondade, mas o ato maléfico depende de quem a utiliza. A magia não tem cor. Quem usa, coloca a intenção”, afirma Tânia.

O mago Menthaph, 28, prefere não dizer o nome verdadeiro. Há 2 anos se encontrou na bruxaria e descreve sua história como “algo mágico”. “Acredito que todo bruxo traz alguma coisa já dentro de si. Um dia passei no shopping e lá tinha uma loja esotérica. Sou extremamente intuitivo e quando vi o cartão pensei: É ela [sacerdotisa Marcia] que vai ser minha mestra, não a conhecia e nem sabia o que ela iria me ensinar”, conta.

Menthaph ligou para o Templo de Bruxas para saber quanto tempo durava o curso e como funcionava. “Eu queria aprender o porquê, quais as consequências, o que poderia trazer de bom e ruim para mim e para os outros. Lembro que matriculei num sábado e, no domingo, participei de um ritual”.

O mago relata que entre os adeptos há advogados, professores universitários, psicólogas, pessoas das mais variadas profissões, que, na maioria das vezes, preferem manter o sigilo para não sofrer prejuízos na vida social e profissional. “As pessoas costumam falar: mas você faz faculdade, você trabalha em tal lugar, por que segue isso? Elas têm esse preconceito, acham que magia é para o mal e eu falo que não faço este tipo de coisa”, diz.

Ele está no último ano de faculdade e cursa comunicação visual. Explica que sua noiva sempre o apoiou muito e que de um tempo para cá, alguns conhecidos já respeitam sua escolha. “Quando eu comecei, as pessoas pensavam que ia fazer macumba. Hoje, colegas que me criticaram quando entrei, agora pedem ajuda”, conclui.

A universitária Juliana Cimeno, 21, é praticante há 9 anos e prefere não sair dizendo que é Wicca. “Na minha rotina e vida, religião não é como time de futebol. Não uso camisa indicativa, não declaro em redes sociais, nada do gênero. Quando conto a outras pessoas, é porque considero uma informação coerente com a situação - para amigos, família, em discussões sobre o assunto”, explica.

A estudante relata que quando era adolescente as pessoas costumavam achar que ela estava tentando chamar a atenção. Agora, respondem com mente mais aberta e fazem muitas perguntas. Mesmo assim, ela ainda acredita que muitas pessoas “são ignorantes no sentido de não conhecerem ou entenderem a religião”, e isso abre brechas para pré-suposições, que quase nunca estão certas.

Juliana começou a estudar bruxaria em 2001. “Lembro que estava na catequese, a pedido dos meus pais, e foi como sair da água depois de muito tempo sem respirar. O cristianismo me fazia sentir claustrofóbica, com regras, leis e histórias nas quais não acreditava.

A Wicca, segundo ela, pregava tudo aquilo que sentia, mas não conseguia encontrar no ambiente espiritual que frequentava. “Me afastei do catolicismo aos poucos. Conheci alguns praticantes da bruxaria, e aí percebi que era a hora de abraçar a crença”, conta.

Os pais da garota, por outro lado, não aceitam formalmente a opção de Juliana. “Aceitar é uma palavra forte. Eu não dei opção, apenas informei. Meu pai ainda tenta me arrastar para a igreja. Minha mãe acha que não sei onde me meti ainda e ambos acham que é uma escolha errada. Mas me deixam quieta”, diz.

A jovem conta que realiza rituais de acordo com o calendário wicanno. “Faço bastante limpeza de energia e ritual para pedir benção. Não faço absolutamente nada que interfira no curso da vida de outras pessoas - no máximo mando energias positivas”, conclui.

Origem da Wicca

Os primeiros rituais mágicos são descritos ainda na pré-história para assegurar uma boa caça. Na Europa, as leis romanas já faziam uma distinção entre o que era magia boa e ruim, porém, quando surgiu o cristianismo, a bruxaria passou a ser descrita como um culto satânico. No começo da inquisição - século XIII, a Igreja Católica inicia uma perseguição aos adeptos, que eram condenados à morte.

Gerald B. Gardner é visto como o pioneiro na tradição wiccana. Em 1939 ele popularizou a “Antiga Religião” com este nome moderno que possui duas origens. A primeira é saxônica ‘Witch’, que significa dobrar, moldar ou girar. A segunda vem da palavra de raiz germânica ‘Wit’, que significa saber ou sabedoria. Desta forma, pode-se dizer que Wicca significa ‘moldar a sabedoria’. Baseia-se no culto a Deusa representada pela ‘Grande Mãe Terra’ que gera a vida. São os primeiros costumes voltados para natureza.

 De acordo com a sacerdotisa, o Deus na Wicca é um só, mas não é representado por uma figura humana e sim uma energia. “O Deus para nós é o universo, a força da criação. E a Deusa é a terra. Ele aquece a terra para poder germinar. É toda a energia que sem ela nada existe”, explica.

Marcia cita que existe um pouco da dualidade, representada pelo masculino e o feminino, mas explica que a Wicca é bem matriarcal. “Nós acreditamos que a mulher, a partir da terra, é útero que nos abriga, enquanto estamos vivos. Então dela nasce a vida, tem a ajuda do homem, é lógico. Mas é ela que gera. É uma tradição voltada para o feminino”, diz.

Nesta filosofia não existe o mal representado por Lúcifer, como no cristianismo. “Tudo que você aprende pode exercer o mal. Não é só a magia. Não acreditamos em demônios. Aquilo que você faz e que prejudica alguém é o lado negro, o lado ruim. Porém, na tradição não existe nem a parte de vou aprender isto para fazer o mal. O que a gente faz volta três vezes, é a única lei da Wicca. Desta forma, é azar do bruxo que aprende e queira fazer o mal”, alerta.

O ritual de Beltane

São exatamente sete horas da noite de um domingo. Adeptos se aglomeram na entrada do ‘Templo de Bruxas’. Como som de fundo, uma música diz: “Somos um círculo dentro de um círculo, sem um começo e sem um fim”. As pessoas entram no local de culto. Cada um tem na cabeça uma coroa de flores, é a celebração de Beltane, o ritual de germinação que representa a união do Deus e da Deusa. Pelo chão, pétalas de rosa para purificar, no meio um mastro com fitas coloridas que serão enroladas na hora de realizar os pedidos.

Na frente, um grande espelho. Ao lado, um altar que tem a presença dos quatro elementos. O cálice representa o feminino e a água também. A pena simboliza o elemento ar. O sal, a terra. O átame, que é o punhal, significa o masculino. A vela, o fogo. A varinha é o elemento ar que serve para emanar energia, e logo abaixo um caldeirão – chamado também de útero da ‘Grande Deusa’.

No recinto é necessário tirar os sapatos para não poluir o espaço, já preparado para a cerimônia. Primeiro são chamados os representantes dos quatro elementos: terra, fogo, água e ar. Em seguida, os outros praticantes entram um por vez e recebem uma benção da sacerdotisa wiccana. Em círculo e de mãos dadas é iniciado o ritual de ‘Beltane’.

Veja o vídeo com um trecho do ritual:

 
Na celebração, discípulos trocam de faixa: daqui a um ano serão sacerdotes ou sacerdotisas. No ritual, palavras de purificação, superação, agradecimento, paz e amor. Posições e movimentos com o corpo são realizados. Chegou a hora de todos enrolarem as fitas no mastro. Uma música alegre toca e incita o corpo a dançar. A melodia com flauta lembra música medieval. O caldeirão agora tem fogo: é hora de pulá-lo para tirar as energias negativas e doenças. Aqueles que não pulam, passam de lado como se estivessem aquecendo a mão.

O culto durou aproximadamente 1h30. Lembra do mago Menthaph? Ele está feliz. “É emocionante saber que colei mais um grau. Agora só falta um ano para me tornar sacerdote, aí poderei ensinar Wicca para quem quiser aprender. É muito gratificante. Sempre tem conturbações no caminho. Com todo o preconceito que existe, para chegar até aqui é complicado. Mas se você conseguiu, agora sabe que tem que ficar”, relata.

De estranho, só umas palavras em idioma desconhecido que falaram de mãos dadas quase no final do ritual. E estas palavras proferidas, o que significam? “Não podemos contar”, diz a sacerdotisa.

Significados...

A vassoura é a dualidade e serve para a limpeza energética do local. O cabo significa o masculino e as cerdas o feminino.
Grimório das bruxas, conhecido também como o Livro das Sombras, é onde se guarda todo o conhecimento.
Pentagrama é uma estrela de cinco pontas. A ponta de cima é a energia da criação. As outras pontas são os quatro elementos, terra, fogo, água e ar, e o círculo significa uma proteção.
As runas originaram o ‘futhark’, o alfabeto utilizado pelas bruxas.
Coven é um grupo de bruxos que se reúne para continuar os estudos, trabalhar mais com a intuição e fazer rituais. São 13 pessoas. Representam os 12 meses que a Terra demora para fazer a volta em torno do sol, mais um dia para fechar o círculo completo.
O chapéu é o cone de poder. A parte de cima é masculina, a de baixo é feminina. O cone pega a energia do cosmo pela ponta e traz para a terra.
O caldeirão representa a Deusa, o útero. Serve para fazer poções e queimar os pedidos. O fogo também é aceso para tirar as energias negativas e doenças.
O Halloween é um ritual de dois círculos, um pertence aos vivos, o outro aos mortos, e nele se honra os antepassados. É comemorado no dia 31 de outubro no Hemisfério Norte, e, segundo a sacerdotisa Marcia Sanção, no Brasil deve acontecer no dia 5 de maio. “Em dezembro eles [bruxos do hemisfério norte] comemoram o inverno e nós estamos no verão. Então tem que mudar o calendário de todos os rituais, quando isso não acontece é errado. A tradição é voltada para natureza e você tem que conviver com aquilo que você está vivenciando no momento”, explica.  

 

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